Global Analysis

Envolvendo as gerações mais novas no ministério da Igreja

Desconexões e abordagens para passar o bastão

Victor Lee jan 2023

A necessidade

Testemunhei, recentemente, a transição de liderança de algumas igrejas na Malásia. Essas transições aconteceram porque alguns pastores atingiram a idade de aposentadoria, enquanto outros deixaram suas funções abruptamente por questões de saúde. Em muitos casos, não houve preparação para a transição e não havia um líder mais jovem que desempenhasse bem a função. Será que não encaramos com seriedade o texto do Salmo 145.4 e deixamos de contar à outra geração os feitos grandiosos de Deus? Falhamos em preparar as próximas gerações para o cumprimento da Grande Comissão? Não penso assim. Em todo o mundo encontramos vibrantes ministérios de jovens. Muitos recursos têm sido destinados a treinar e formar as gerações mais novas. No entanto, parece faltar no ministério da igreja um envolvimento com os mais jovens.

parece faltar no ministério da igreja um envolvimento com os mais jovens. Como os líderes da igreja devem se envolver com eles?

No relatório “Análise dos encontros virtuais do L4”, elaborado pela Equipe Global de Escuta, a resposta “alcançar as gerações mais novas” foi assinalada como uma das lacunas mais significativas no cumprimento da Grande Comissão. Na pergunta sobre a área em que são necessárias mais pesquisas, destaca-se o tópico “Geração Z e as gerações mais novas”. O relatório enfatiza de forma consistente que a Igreja global não envolveu as gerações mais novas como deveria. Há uma necessidade urgente de evangelizar e discipular os jovens, bem como envolver as gerações mais novas em conversas sobre liderança.[1]

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a inserção de jovens no ministério e na liderança. Como os líderes da igreja devem se envolver com eles? O que está provocando a desconexão entre as gerações? Espero oferecer uma resposta preliminar a essas perguntas. Para efeito de clareza, as “gerações mais novas” mencionadas neste artigo referem-se aos millennials (nascidos entre 1984 e 1998) e à Geração Z (nascidos entre 1999 e 2015).

Os dados

Em 2019, o Barna Group e a Visão Mundial conduziram uma pesquisa internacional com 15.369 entrevistados em 25 países. As respostas deram origem a um relatório global intitulado “The Connected Generation: How Christian Leaders Around the World Can Strengthen Faith & Well-Being Among 18-35-Year-Olds” [A geração conectada: Como os líderes cristãos ao redor do mundo podem fortalecer a fé e o bem-estar entre jovens de 18 a 35 anos]. Aqui estão algumas descobertas interessantes do relatório:

  • As gerações mais novas estão mais conectadas globalmente do que as gerações anteriores. No entanto, são jovens que tendem a ser solitários e isolados de sua comunidade local.
  • A consciência global afeta emocionalmente as gerações mais novas, pois elas lutam com a ansiedade do futuro incerto.



“The Connected Generation: How Christian Leaders Around the World Can Strengthen Faith & Well-Being Among 18-35-Year-Olds”

  • As gerações mais novas costumam ser abertas ao engajamento espiritual. No entanto, têm dúvidas a respeito do cristianismo por causa de questões como hipocrisia, sofrimento, guerras e ciência.
  • As gerações mais novas de cristãos cuja conexão com a comunidade de fé local é mais forte terão maior probabilidade de perseverar em sua fé.
  • As gerações mais novas de cristãos praticantes têm o desejo de honrar a Deus através de seu trabalho. Entretanto, eles acham que a igreja não oferece discipulado vocacional que os treine especificamente para isso.
  • As gerações mais novas se preocupam muito com as crises globais, como corrupção, mudança climática e pobreza. Os jovens querem se envolver, mas não sabem como começar.
  • As gerações mais novas concordam que há uma crise de liderança hoje e acreditam que o desafio de liderança mais significativo é: “Todos estão muito ocupados e distraídos”. Há uma carência de desenvolvimento de liderança e oportunidades de experimentação em suas igrejas locais.

O relatório mostra que a postura das gerações mais novas é de disposição em contribuir para a solução das necessidades da sociedade, e não uma postura de egoísmo, preguiça e autoritarismo como equivocadamente se presumia. O relatório também aponta que a globalização e o desenvolvimento de tecnologias de rede desempenham um papel importante na formação da cosmovisão das gerações mais novas. Se as gerações mais novas desejam trazer mudanças positivas para o mundo, a Igreja global precisa ratificá-las. Por que não vemos o engajamento intergeracional esperado? Isso leva às minhas observações em meu contexto local.

As diferenças

Como um millennial servindo como líder cristão nacional, tenho a oportunidade de interagir com as gerações anteriores e posteriores à minha nas igrejas e organizações cristãs da Malásia. Observo que há três pontos de desconexão entre as gerações:

Há expectativas desconexas dos líderes seniores para com os mais jovens e vice-versa.

1. Diferentes expectativas

Há expectativas desconexas dos líderes seniores para com os mais jovens e vice-versa. Os líderes sêniores gostariam de ver os mais jovens servindo com obstinação, lealdade e o desejo de expandir sua capacidade de liderança por meio da dedicação ao trabalho. Os mais jovens, por outro lado, esperam que os líderes seniores lhes concedam espaço para fracassar, tentar coisas novas e manter um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal. Enquanto alguns líderes seniores da igreja esperam que seus líderes jovens “assumam” suas posições eventualmente, os jovens líderes esperam que sua liderança sênior os libere para ministérios novos e criativos. Muitos líderes seniores da igreja aspiram construir organizações fortes, grandes e influentes. Muitos líderes mais jovens preferem construir organizações pequenas, íntimas e radicais.

2. Diferentes sistemas de valores

As diferentes expectativas estão relacionadas aos diferentes sistemas de valores. Líderes seniores que passaram pela Era Industrial, influenciados pelo capitalismo e pelo livre comércio, podem valorizar muito a estabilidade, a competitividade, a produtividade e o materialismo. As gerações mais novas que cresceram com as bênçãos da paz, da tecnologia e da educação superior atribuiriam mais valor à criatividade, à inovação, ao conforto e aos ativos digitais. As gerações mais novas geralmente não valorizam a “gratificação adiada”. Eles preferem mudar rapidamente para outro emprego com melhor remuneração do que demorar para se estabelecer em um determinado lugar. Os mais velhos costumam achar incompreensível que um adulto não tenha um emprego fixo.

3. Diferentes linguagens

As diferenças entre as gerações mais velhas e mais novas tornam-se mais evidentes na linguagem que utilizam. Enquanto os líderes seniores costumam falar sobre sucesso, família, independência financeira e comprometimento, os líderes mais jovens tendem a falar sobre espaço pessoal, equilíbrio entre vida profissional e pessoal, colaboração e fases da vida. Enquanto os líderes seniores preferem escrever e-mails, os líderes mais jovens optam pelo Twitter ou mensagens curtas com acrônimos.

Essas diferenças me levam a considerar uma possível solução da questão.

A abordagem

Será que perdemos nossas gerações mais novas? Em 2019, apresentei uma pesquisa na Assembleia Geral da Associação Teológica da Ásia. Mais de 64% das instituições teológicas que responderam à pesquisa indicaram uma tendência crescente de os millennials ingressarem em suas instituições.[2] As gerações mais novas continuam sendo uma força de trabalho vital tanto na sociedade quanto na igreja. Há esperança no envolvimento com as gerações mais novas.

Para que as gerações se envolvam umas com as outras, é preciso que haja uma prática transcultural. As gerações mais novas costumam ficar cerca de três horas por dia conectadas às mídias sociais.[3] Esses jovens se identificam como netizens, ou “cidadãos da Internet”. Embora diferentes gerações partilhem de um espaço de vida comum, elas estão em mundos virtualmente diferentes. É preciso que os líderes seniores desenvolvam a “inteligência cultural” em seu engajamento com as gerações mais novas.


Culturally Intelligent Leadership: Leading Through Intercultural Interactions by Mai Moua

Mai Moua, em seu livro Culturally Intelligent Leadership: Leading Through Intercultural Interactions, destaca cinco áreas que os líderes devem dominar a fim de superar as diferenças culturais.[4] Usarei suas palavras para refletir sobre o envolvimento de líderes seniores com as gerações mais novas.

1. Compreender e identificar as diferenças culturais das gerações mais novas.

Os líderes tomam a iniciativa de compreender que as gerações mais novas são formadas em um contexto sociocultural diferente. A consciência das diferenças é o primeiro passo para o engajamento.

2. Partilhar do conhecimento cultural das gerações mais novas.

Os líderes buscam oportunidades para aprender sobre a cultura das gerações mais novas. Compartilham o que aprenderam com outras pessoas para obter clareza sobre suas diferenças culturais.

3. Estar ciente dos preconceitos e das suposições sobre as gerações mais novas.

Os líderes refletem sobre suas suposições preconcebidas e seus preconceitos sobre as gerações mais novas. Identificar pressupostos equivocados ajuda os líderes a superar o preconceito e os obstáculos na construção de relacionamentos.

4. Perseverar na resolução dos conflitos culturais com as gerações mais novas.

É desafiador lidar com conflitos culturais, mas não é impossível superá-los. Exige a disposição e o empenho das diferentes gerações.

5. Estar disposto a se adaptar e aprender a conviver e trabalhar com diferentes culturas.

Os líderes seniores que estão dispostos a se adaptar e acomodar a cultura das gerações mais novas terão uma chance maior de sucesso em envolvê-las. Os líderes mais jovens apreciam os líderes sêniores que estão dispostos a resolver as diferenças culturais cruzando as fronteiras da hierarquia.

Um modelo exemplar

O pastor Kenneth Chin, fundador da Acts Church,[5] estabeleceu um ministério conhecido por seu envolvimento com ministros mais jovens. Aos 50 anos, ele transferiu com sucesso a liderança executiva da igreja a um ministro mais jovem. Estes são alguns dos modelos e práticas que o têm ajudado a envolver-se com as novas gerações:

alguns dos modelos e práticas que o têm ajudado a envolver-se com as novas gerações

1. Do monólogo ao diálogo

O pastor Chin entende que a geração sênior está acostumada ao monólogo, mas as gerações mais jovens preferem o diálogo na comunicação. Ele passa muito tempo, durante as refeições, com ministros mais jovens reunidos em pequenos grupos. Em sua conversa com eles, o pastor Chin enfatiza as preocupações genuínas dos ministros, em vez de concentrar-se apenas nas obras práticas do ministério.

2. Compromisso e desafio

O pastor Chin iniciou a igreja com um grupo de jovens cristãos. À medida que eles ficavam mais velhos, ele aprendeu a ajustar suas expectativas e estilo de comunicação à idade deles. Isto posto, ele afirma que todo crente deve continuar servindo, independentemente de ter passado para uma outra fase da vida.

3. O sistema “huddle”

O pastor Chin desenvolveu um sistema de orientação usando uma terminologia do futebol americano, o “huddle”, ou ajuntamento. No futebol americano, o time “se reúne” em um círculo fechado para traçar estratégias, torcer e/ou comemorar. Em seu “huddle”, ele orientou pessoalmente 12 líderes. Ele se esforça para entender suas necessidades, motivá-los no ministério e oferecer-lhes apoio espiritual. Por meio desse sistema, uma geração será mentora de outra geração. O pastor Chin não orienta diretamente as gerações mais jovens; ele espera que os líderes de seu “ajuntamento” o façam.[6] No entanto, ele mantém a porta aberta a todas as faixas etárias, sempre que alguém necessita da sua orientação pessoal.

4. A corrida de revezamento 4 x 100

O pastor Chin vê o ministério como uma corrida de revezamento, não uma maratona. Há um “espaço de 20 metros” para que o corredor passe o bastão para o próximo corredor. Os líderes seniores precisam discernir o momento da transição de liderança. Quando eles perdem a janela de transição por terem passado o bastão cedo ou tarde demais[7], os líderes mais jovens buscarão uma oportunidade em outro lugar. O pastor Chin afirma que as gerações mais jovens desejam assumir a liderança e querem fazê-lo de forma respeitosa para com seus líderes seniores. No entanto, se os líderes seniores não responderem aos ministros mais jovens, o respeito dos jovens eventualmente diminuirá. Quando a transição é bem-feita, o líder sênior pode desempenhar o papel de encorajador, torcendo pelo líder seguinte que agora carrega o bastão.[8]

Como podemos ver, o pastor Chin investe na cultura de alcançar a geração seguinte, primeiro influenciando-a e treinando-a para que se envolva com as gerações subsequentes.

O Chamado

As gerações mais novas já não são os líderes do futuro. Muitos desses jovens começaram a assumir o bastão da liderança no presente. Que possamos perseverar em nossos esforços para nos envolver com eles e estar prontos para lhes confiar o manto da liderança.[9]

Endnotes

  1. Nota da Editora: Veja o artigo “Envolvendo uma geração emergente de líderes globais de missões”, de Nana Yaw Offei Awuku, na edição de novembro/2016 da Análise Global de Lausanne: https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2016-11-pt-br/envolvendo-uma-geracao-emergente-de-lideres-globais-de-missoes.
  2. Confira os resultados da pesquisa “Educação Teológica e os Millennials”,https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeYcDniZBtywAdTRJaaJZdoKKtUPC9aC9Vg1F4e4VoI8S4Riw/viewanalytics.
  3. Veja https://www.gwi.com/hubfs/Downloads/Social-H2-2018-report.pdf.
  4. Mai Moua, Culturally Intelligent Leadership: Essential Concepts to Leading and Managing Intercultural Interactions, edição ilustrada (Nova York, NY: Business Expert Press, 2010), 7–9.
  5. https://actschurch.org/
  6. Há seis níveis de huddles na igreja do pastor Chin.
  7. O pastor Chin observa que, na maioria dos casos, os líderes seniores não têm um plano de transição. Quando esses líderes seniores precisarem passar o bastão será tarde demais. Ele levou dez anos para planejar sua transição.
  8. O pastor Chin ainda está ativo no ministério, oferecendo apoio ao pastor executivo atual.
  9. Nota da Editora: Veja o artigo “Developing Young Leaders with Disabilities” [disponível em inglês, romeno e espanhol] de Dave Deuel, na edição de janeiro/2016 da Análise Global de Lausanne, https://www.lausanne.org/content/lga/2016-01/developing-young-leaders-disabilities.