No início de junho de 2023, a National Highway 2, estrada que cruza o estado de Manipur, no nordeste da Índia, foi palco de uma cena incomum. Diferente do caos constante de veículos, estendeu-se ali uma corrente humana de aproximadamente 40 quilômetros. Milhares de homens e mulheres da tribo Kuki-Zo, alinhados ao longo da estrada, alguns de pé, alguns sentados, outros ajoelhados, oravam para que houvesse paz no estado de Manipur, dilacerado pelos conflitos. Suas lágrimas se misturavam à chuva que caía no asfalto duro. Aqueles cristãos cantaram hinos de louvor e redenção, choraram por suas famílias assassinadas e clamaram ao Senhor, implorando por libertação. As montanhas ao redor ecoaram seu clamor. Mas será que esse clamor chegou aos céus?
Desde 3 de maio de 2023, Manipur é uma zona de guerra; local de uma batalha travada entre os fanáticos extremistas da religião majoritária hindu Meitei e a tribo minoritária cristã Kuki-Zo. Na fronteira Churachandpur/Bishnupur de Manipur, a linha divisória está nitidamente traçada. De um lado, estão os milhares de civis Meitei, armados com rifles sofisticados, morteiros, bombas e armas de destruição em massa (WMD). Afirma-se que essas armas foram “roubadas” dos arsenais de alta segurança do governo. Outros, contudo, alegam que as armas foram “doadas” aos militantes pelos “poderes constituídos”. Os oponentes são algumas centenas de pessoas do povo Kuki-Zo, com menos armas e mais despreparo, tentando se defender.
O solo de Manipur escureceu com as cinzas de milhares de igrejas e casas incendiadas. O ar está saturado com o cheiro do sangue dos mártires. Mesmo depois de três meses, os incêndios criminosos, os saques e a destruição de igrejas, casas, escolas, hospitais, orfanatos e seminários continuam sem cessar. Dezenas de mulheres são despidas, humilhadas publicamente, estupradas e esquartejadas. Seus cadáveres não podem ser enterrados, por isso são lançados aos cães.
Além dos cristãos, os judeus de Manipur também estão sob ameaça de extermínio por dois grupos extremistas, fanáticos e terroristas armados pertencentes à religião majoritária, a saber, Arambai Thankoul e Meitei Leepun.
Em entrevista a Karan Thapar, renomado jornalista do The Wire, o chefe do Meitei Leepun, Pramot Singh, afirmou que sua organização está “comprometida em acabar com os cristãos e Kukis de Manipur”. Pramot Singh, em outra entrevista à revista The Week, declarou: “Nós, os Meiteis, somos o verdadeiro povo local de Manipur, e as comunidades Kuki não têm o direito de exigir nada” (fonte: The Week, 13 de agosto de 2023).
Eu estive em Manipur em julho de 2023 e visitei vários campos de refugiados, de comunidades tanto Meitei quanto Kuki-Zo. Milhares de cristãos, amontoados em aposentos minúsculos, compartilharam histórias de brutalidade bárbara. Esses crentes, contudo, sorriam em meio à dor quando compartilhavam de sua alegria e esperança em Jesus Cristo. Muitos deles estavam lendo a Bíblia ou orando em grupos pequenos. As crianças corriam pelo acampamento, brincando para ocupar o tempo, alheias ao futuro sombrio que lhes aguarda.
Como acontece em qualquer guerra, a verdade é a primeira vítima. Os poderes administrativos e os diversos grupos da mídia divulgam várias narrativas, conforme sua agenda de interesses. Grupos criminosos assumiram o controle da capital Imphal e dos distritos vizinhos. No espaço de 36 horas após o início dos tumultos, 241 igrejas entre o povo Meitei foram incendiadas na cidade de Imphal. Estima-se que mais de 100 mil pessoas tenham fugido de Manipur e outras 100 mil tenham se refugiado em fmatas e acampamentos temporários.
No entanto, cristãos de várias tribos, como Naga, Kuki e Meitei entre outras, lutam por paz e prosperidade duradouras. “O retorno à Palavra e ao Senhor é o futuro da comunidade cristã em Manipur”, afirmou um líder sênior da comunidade Naga.
Pessoas em toda a Índia expressaram sua solidariedade, exigindo justiça, empunhando cartazes, acendendo velas e cantando “We shall overcome some day” [Venceremos um dia], o hino cantado nas marchas pacíficas que caracterizaram o movimento pelos direitos civis e pela igualdade racial dos negros americanos. Esses gestos podem parecer pequenos e inúteis, mas são importantes. Cada pequeno gesto em favor da justiça restaurativa importa, assim como cada omissão silenciosa amplifica o dano e o horror.
Os tentáculos da perseguição têm se espalhado por toda a Índia. No hostil distrito de Bastar, no estado Chhattisgarh, milhares de cristãos foram expulsos de suas casas e forçados a ir para a mata no auge do inverno de 2022. Quando visitei essas regiões alguns meses depois, testemunhei mais de 300 crentes cantando louvores a Deus, dispostos a morrer como mártires. Esse testemunho está atraindo muitos para o Senhor.
Em Uttar Pradesh, há centenas de pastores e evangelistas em prisões. As grades da prisão, contudo, não são obstáculo para a propagação do evangelho. Há relatos de milagres de muitos prisioneiros entregando suas vidas a Cristo.
Em 1999, o missionário australiano Graham Staines e seus dois filhos foram queimados vivos em Manoharpur, Odisha. Mais tarde, em 2008, Khandamal, outro distrito do mesmo estado, testemunhou uma severa perseguição contra os cristãos, que ceifou milhares de vidas. Hoje, no entanto, a igreja em Odisha cresce a passos largos.
A igreja perseguida cresce dia a dia e os fatos recentes tornam-se testemunhos de coragem e engajamento divinos. O sangue dos mártires tornou-se a semente da igreja na Índia, e o testemunho dos cristãos contribui para que “todo joelho se dobre e toda língua confesse que Jesus é o Senhor”.
“A perseguição nos ensina três coisas”, disse um líder Kuki de Manipur, “nos dá a oportunidade de participar do sofrimento de nosso bendito Senhor; requer a purificação de nossas vidas; e é também uma oportunidade de propagar o evangelho de Cristo com perdão, amor e compaixão”.
Enquanto no céu ecoa o louvor ao Rei dos reis, o Senhor se inclina para ouvir o clamor dos crentes perseguidos na Índia. A esperança solene é que o Senhor traga livramento. Mas mesmo que não o faça, seu Reino continuará avançando até que Ele venha.